domingo, 8 de novembro de 2015


SANDOVALINA/ SP 2013 - http://www.sandovalina.sp.gov.br/


“De que são feitos os dias? 
- De pequenos desejos, 
vagarosas saudades, 
silenciosas lembranças. 

Meireles, Cecília






Foi a primeira cidade de uma viagem que duraria 18 dias. Nunca fiquei tantos dias fora de casa. Foi extremamente cansativo. Fui ministrar o programa Liderar, do Sebrae. Eram três turmas, cada uma em uma cidade: Sandovalina, Rosana Primavera e Mirante do Paranapanema. Este programa era desenvolvido em duas etapas de três dias.
E foi assim: ministrava três dias em uma cidade e de madrugada saía para a outra cidade e retornava para finalizar.

A primeira cidade dessa jornada, foi Sandovalina.

Mas, antes não posso deixar de contar sobre a viagem até Sandovalina. Fui de ônibus, com uma mala enorme, pois além de roupas, levava materiais diversos para desenvolvimento das dinâmicas. Uma viagem de 8h. Eu iria descer em Presidente Prudente e pegaria outro ônibus para Sandovalina. O tempo era justo: teria 15 minutos após descer em Presidente Prudente para pegar o último (e único) ônibus para Sandovalina. Em uma das paradas do ônibus, resolvi perguntar ao motorista quanto tempo ainda faltava para chegar em Presidente Prudente e quase tive um infarto quando ele disse, pois chegaríamos uns 30 minutos após o horário de saída do outro ônibus. Falei com ele do meu desespero, pois se perdesse o ônibus, teria que dormir em Presidente Prudente e chegaria atrasada para o curso no dia seguinte. Deus iluminou o bom motorista e eu cheguei faltando 10 minutos para pegar o outro ônibus. Nunca vou me esquecer: sai literalmente correndo, com aquela mala enorme, para o local do ponto do ônibus. Nem o peso da mala eu senti. Vi o ônibus parado, as pessoas entrando e comecei a acenar feito uma louca e ... deu tempo. Era um ônibus circular, não tinha porta-malas, pedi ao primeiro homem que vi lá dentro que pegasse minha mala pela porta de trás e entrei toda esbaforida pela porta da frente. Ufa!!! Consegui!
Acomodei-me em um dos poucos bancos vazios e dei a “sorte” de ter um bêbado bem na cadeira da frente, que foi cantando alegremente o caminho todo. Imagine um bêbado cantando e ainda por cima, a letra da música era uma cantada. Ele cantava e olhava para mim. A viagem que era de uma hora, durou umas quatro horas para mim. Ainda bem que ele desceu antes de mim quando chegamos na cidade.
Sandovalina é uma  cidade pequena (menos de 4.000 habitantes, segundo dados IBGE), tão pequena que tive que me hospedar na casa de uma participante. De novo!! Coisa chata, por mais agradável que fosse a pessoa que gentilmente cedia a hospedagem. Era uma senhora que morava sozinha. Eu jantava em um barzinho próximo e comprava alguma coisa para o café da manhã.

Em Sandovalina não tinha o que fazer. Ficava um pouco na varanda da casa, esperando o calor diminuir um pouco, tomava um banho e entrava para o quarto quente. A janela não podia ficar aberta por causa da quantidade de pernilongos. Tinha um ventilador de pé, velho, que pouco ajudava, e o barulho dele era pior que o calor depois de um certo tempo ligado. Foi nada fácil.
A turma (23 pessoas), maioria de mulheres, era muito afetiva, acolhedora. Tinham participantes de assentamentos. Naquela época ocorriam muitas invasões de terras naquela região. Tive a oportunidade de ir em um dos assentamentos. Fui convidada para jantar na casa de umas participantes. Quantas história, lutas. Claro, era uma morada simples. No pequeno terreno que lhes coube, plantavam mamão. Enquanto a carne cozinhava em uma velha panela de pressão, eu escutava as histórias daquela família. Escutar sobre invasão ocupação, ver notícias na TV, é uma coisa. Outra é ir ao local, conhecer pessoas e escutar o que elas têm para contar. Muda tudo.
Primeiro, os sem-terra invadem, ocupam terras e montam acampamentos. Vi, por mais de uma vez, indo para aquelas bandas, grandes acampamentos ao longo das estradas. Barracas precárias de lona preta, bandeiras (símbolo do movimento) em cada uma delas; famílias inteiras, ali passavam dias, esperando  a desapropriação da terra e sua  transformação em assentamento para cada um receber o pedaço de terra que lhe couber. A ocupação é de certo modo um símbolo da força que tem o movimento sem-terra para chamar a atenção para a necessidade da reforma agrária. Mas, não é minha intenção estender o assunto.

Tive também a oportunidade de conviver com participantes dos dois lados: o “invasor” e o “invadido”. Uma das participantes era filha de um fazendeiro local e estava apreensiva, pois havia rumores de que a fazenda seria invadida. Ela me contou que mesmo que não consigam a desapropriação da terra, os estragos, o prejuízo era muito grande. Os sem-terra derrubavam cercas, matavam gado, cortavam árvores.
Também contaram, que muitas pessoas que participam do movimento ficam acampados, não por que estão lutando por um pedaço de terra para si próprio, mas para alguém, que o pagou e que mais tarde “compra” a terra e vende com lucro. Negócios escusos, existe em todo e qualquer lugar. Pessoas desonestas que desvirtuam objetivos que poderiam ser legais, por falta de organização e administração do estado.
Foram muitos os aprendizados que aquelas pessoas me proporcionaram. Sou grata. Ás vezes, somos muito rápidos para tirar conclusões, julgar, assumir uma ou outra posição, sem sabermos quase nada, ou nada mesmo.

Voltemos ao grupo. Foi um grupo tranquilo para trabalhar, correu tudo bem. Senti que as pessoas tinham medo de se colocar, trocar experiências. Por se ruma cidade muito pequena, todos se conhecem e talvez por isto não se sentiam à vontade para falar de suas experiências. No grupo tinha a Maria, meu Deus, que mulher, que coragem, que determinação. Era uma das “assentadas”. Sua vida é de muita luta, não só por ela, mas para dar condições melhores de vida para a família. Contou que tinha 05 filhos, sendo 03 mulheres e todas são prostitutas. Sente-se culpada, embora tenha procurado ensinar o melhor. Ainda conversava com elas, tentando mostrar que esse não era o melhor caminho. Cuidava de duas netas. Já participou de vários movimentos e invasão de terra, lutas entre sem-terra/fazendeiros/policiais, com muitos tiros. Tinha também uma outra participante, a Sandra. Ela era triste. O marido bebia muito, administrava uma fazenda, e eles se viam aos finais de semana. Já quis se separar, mas desistiu, pois o ama. Tem problemas com a filha que é obesa e ambas sofrem por isto. Quantas histórias de vida, sofrimentos, alegrias... Em uma das noites fui ao aniversário da sobrinha de uma das participantes. Nas minhas andanças fui em várias festas. Convidou, eu vou. É bom. Conhecer mais pessoas, costumes, comidas diferentes e também ajuda o tempo a passar. Gosto muito.

O último dia de treinamento com esta turma, foi de muita emoção. O lanche da tarde foi transferido para o final, como uma confraternização de encerramento. Quando chegamos no local tinha o cartaz (foto abaixo) afixado na parede.



Chamaram um rapaz que tocava violão e cantaram uma música linda sobre amizade:
“Cativar”
Uma palavra bonita jamais esquecida me vem despertar
Contando sete letrinhas e todas juntinhas se lê cativar
Cativar é amor, é também partilhar um pouquinho do saber à quem deseja crescer
No deserto tão só, entre homens também cativou, disse alguém, laços fortes criou

Chorei. Como não chorar?
Ganhei vários outros presentes: toalha de banho bordada, avental, panos de prato, imãs de geladeira, etc. Estar com eles foi o maior presente.

Sai de lá com o coração apertado. Mais uma turma para lembrar com carinho, com saudades. Pessoas que talvez não veria nunca mais. Até o dia de hoje, nunca mais vi, mas não esqueci e jamais esquecerei.

Próximo destino: Rosana (Primavera)