SANDOVALINA/ SP 2013 - http://www.sandovalina.sp.gov.br/
“De que
são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças. “
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças. “
Meireles, Cecília
Foi a primeira cidade de uma viagem que duraria 18 dias.
Nunca fiquei tantos dias fora de casa. Foi extremamente cansativo. Fui
ministrar o programa Liderar, do Sebrae. Eram três turmas, cada uma em uma
cidade: Sandovalina, Rosana Primavera e Mirante do Paranapanema. Este programa
era desenvolvido em duas etapas de três dias.
E foi assim: ministrava três dias em uma cidade e de
madrugada saía para a outra cidade e retornava para finalizar.
A primeira cidade dessa jornada, foi Sandovalina.
Mas, antes não posso deixar de contar sobre a viagem até
Sandovalina. Fui de ônibus, com uma mala enorme, pois além de roupas, levava
materiais diversos para desenvolvimento das dinâmicas. Uma viagem de 8h. Eu
iria descer em Presidente Prudente e pegaria outro ônibus para Sandovalina. O
tempo era justo: teria 15 minutos após descer em Presidente Prudente para pegar
o último (e único) ônibus para Sandovalina. Em uma das paradas do ônibus,
resolvi perguntar ao motorista quanto tempo ainda faltava para chegar em
Presidente Prudente e quase tive um infarto quando ele disse, pois chegaríamos
uns 30 minutos após o horário de saída do outro ônibus. Falei com ele do meu
desespero, pois se perdesse o ônibus, teria que dormir em Presidente Prudente e
chegaria atrasada para o curso no dia seguinte. Deus iluminou o bom motorista e
eu cheguei faltando 10 minutos para pegar o outro ônibus. Nunca vou me
esquecer: sai literalmente correndo, com aquela mala enorme, para o local do ponto
do ônibus. Nem o peso da mala eu senti. Vi o ônibus parado, as pessoas entrando
e comecei a acenar feito uma louca e ... deu tempo. Era um ônibus circular, não
tinha porta-malas, pedi ao primeiro homem que vi lá dentro que pegasse minha
mala pela porta de trás e entrei toda esbaforida pela porta da frente. Ufa!!!
Consegui!
Acomodei-me em um dos poucos bancos vazios e dei a “sorte”
de ter um bêbado bem na cadeira da frente, que foi cantando alegremente o
caminho todo. Imagine um bêbado cantando e ainda por cima, a letra da música
era uma cantada. Ele cantava e olhava para mim. A viagem que era de uma hora,
durou umas quatro horas para mim. Ainda bem que ele desceu antes de mim quando
chegamos na cidade.
Sandovalina é uma cidade pequena (menos de 4.000 habitantes,
segundo dados IBGE), tão pequena que tive que me hospedar na casa de uma
participante. De novo!! Coisa chata, por mais agradável que fosse a pessoa que
gentilmente cedia a hospedagem. Era uma senhora que morava sozinha. Eu jantava
em um barzinho próximo e comprava alguma coisa para o café da manhã.
Em Sandovalina não tinha o que fazer. Ficava um pouco na
varanda da casa, esperando o calor diminuir um pouco, tomava um banho e entrava
para o quarto quente. A janela não podia ficar aberta por causa da quantidade
de pernilongos. Tinha um ventilador de pé, velho, que pouco ajudava, e o
barulho dele era pior que o calor depois de um certo tempo ligado. Foi nada fácil.
A turma (23 pessoas), maioria de mulheres, era muito afetiva, acolhedora.
Tinham participantes de assentamentos. Naquela época ocorriam muitas invasões
de terras naquela região. Tive a oportunidade de ir em um dos assentamentos.
Fui convidada para jantar na casa de umas participantes. Quantas história,
lutas. Claro, era uma morada simples. No pequeno terreno que lhes coube,
plantavam mamão. Enquanto a carne cozinhava em uma velha panela de pressão, eu
escutava as histórias daquela família. Escutar sobre invasão ocupação, ver notícias
na TV, é uma coisa. Outra é ir ao local, conhecer pessoas e escutar o que elas
têm para contar. Muda tudo.
Primeiro, os sem-terra invadem, ocupam terras e montam
acampamentos. Vi, por mais de uma vez, indo para aquelas bandas, grandes acampamentos
ao longo das estradas. Barracas precárias de lona preta, bandeiras (símbolo do
movimento) em cada uma delas; famílias inteiras, ali passavam dias, esperando a desapropriação da terra e sua transformação em assentamento para cada um
receber o pedaço de terra que lhe couber. A ocupação é de certo modo um símbolo da força
que tem o movimento sem-terra para chamar a atenção para a necessidade da reforma
agrária. Mas, não é minha intenção
estender o assunto.
Tive também a oportunidade de conviver com participantes dos dois lados:
o “invasor” e o “invadido”. Uma das participantes era filha de um fazendeiro local
e estava apreensiva, pois havia rumores de que a fazenda seria invadida. Ela me
contou que mesmo que não consigam a desapropriação da terra, os estragos, o
prejuízo era muito grande. Os sem-terra derrubavam cercas, matavam gado, cortavam
árvores.
Também contaram, que muitas pessoas que participam do movimento ficam
acampados, não por que estão lutando por um pedaço de terra para si próprio,
mas para alguém, que o pagou e que mais tarde “compra” a terra e vende com
lucro. Negócios escusos, existe em todo e qualquer lugar. Pessoas desonestas
que desvirtuam objetivos que poderiam ser legais, por falta de organização e
administração do estado.
Foram muitos os aprendizados que aquelas pessoas me proporcionaram.
Sou grata. Ás vezes, somos muito rápidos para tirar conclusões, julgar, assumir
uma ou outra posição, sem sabermos quase nada, ou nada mesmo.
Voltemos ao grupo. Foi um grupo tranquilo para trabalhar,
correu tudo bem. Senti que as pessoas tinham medo de se colocar, trocar experiências.
Por se ruma cidade muito pequena, todos se conhecem e talvez por isto não se
sentiam à vontade para falar de suas experiências. No grupo tinha a Maria,
meu Deus, que mulher, que coragem, que determinação. Era uma das “assentadas”.
Sua vida é de muita luta, não só por ela, mas para dar condições melhores de
vida para a família. Contou que tinha 05 filhos, sendo 03 mulheres e todas são
prostitutas. Sente-se culpada, embora tenha procurado ensinar o melhor. Ainda conversava
com elas, tentando mostrar que esse não era o melhor caminho. Cuidava de duas
netas. Já participou de vários movimentos e invasão de terra, lutas entre
sem-terra/fazendeiros/policiais, com muitos tiros. Tinha também uma outra
participante, a Sandra. Ela era triste. O marido bebia muito, administrava uma fazenda,
e eles se viam aos finais de semana. Já quis se separar, mas desistiu, pois o ama.
Tem problemas com a filha que é obesa e ambas sofrem por isto. Quantas histórias
de vida, sofrimentos, alegrias... Em uma das noites fui ao aniversário da
sobrinha de uma das participantes. Nas minhas andanças fui em várias festas. Convidou,
eu vou. É bom. Conhecer mais pessoas, costumes, comidas diferentes e também
ajuda o tempo a passar. Gosto muito.
O último dia de treinamento com esta turma, foi de muita
emoção. O lanche da tarde foi transferido para o final, como uma confraternização
de encerramento. Quando chegamos no local tinha o cartaz (foto abaixo) afixado
na parede.
Chamaram um rapaz que tocava violão e cantaram uma música
linda sobre amizade:
“Cativar”
Uma palavra bonita jamais
esquecida me vem despertar
Contando sete letrinhas
e todas juntinhas se lê cativar
Cativar é amor, é também
partilhar um pouquinho do saber à quem deseja crescer
No deserto tão só,
entre homens também cativou, disse alguém, laços fortes criou
Chorei. Como não chorar?
Ganhei vários outros presentes: toalha de banho bordada,
avental, panos de prato, imãs de geladeira, etc. Estar com eles foi o maior
presente.
Sai de lá com o coração apertado. Mais uma turma para
lembrar com carinho, com saudades. Pessoas que talvez não veria nunca mais. Até
o dia de hoje, nunca mais vi, mas não esqueci e jamais esquecerei.
Próximo destino: Rosana (Primavera)